Outro dia vi um vídeo/documentário, em que manifestantes que haviam participado dos protestos no Egito se lamentavam pelos direcionamentos que a “revolução” egípcia tomou. “Eles roubaram a revolução de nós” diziam.
O Egito é um dos principais países do Oriente Médio, para não dizer o principal. Por conta disso, é visado por potências ocidentais, leia-se Estados Unidos. Porque é de interesse norte-americano que o sistema político egípcio esteja de acordo com o seu. Com isso, sustenta-se uma “paz” fantasiosa com Israel e um equilíbrio mentiroso de ideais com outros países do Oriente Médio.
Não bastasse o total despropósito do presidente deposto Hosni Mubarak em governar o Egito durante 30 anos, e ainda almejar lançar seu filho corrupto à sucessão, está agora, Conselho Militar fazendo as vezes da casa.
Sabe aquela frase: “o sistema é bruto!” É bruto mesmo. Até o poder militar egípcio, que antes era visto como uma alternativa para o processo de transição no Egito pós-revolução, está saindo pior, bem pior que o encomendado.
Com o que parecia “fim” da revolução falou-se em eleição para formação de um novo parlamento, de um sucessor à presidência e que esse processo levaria em torno de seis meses. Já passamos de nove. O complicado processo eleitoral para o parlamento tem data prevista para iniciar no próximo dia 28 de novembro. A eleição para Presidente, que ainda não tem data definida, poderá ocorrer até o final de 2012.
Você pode achar estranha a afirmação de que a revolução foi roubada dos egípcios. De fato. Até porque, eles derrubaram Hosni Mubarak. Quem então rouba uma revolução? E como?
O Conselho Militar tem seguido os mesmos caminhos de Hosni Mubarak. No Egito, absolutamente nada mudou. Tudo não passa de fantasia, de mentira. É como se Hosni Mubarak ainda estivesse no poder. Até quando?
É certo dizer que o mundo vê o Egito hoje como o país que derrubou seu presidente. Mas é certo dizer também que os egípcios não conseguiram derrubar o sistema. O Conselho Militar propôs recentemente garantias de legitimidade constitucional aos militares. Há quem diga que os soldadinhos querem perpetuar no poder. Por isso, cabe aqui a frase grafada em um faixa de um manifestante na praça Tahrir: “Egito, nosso país não é um quartel”.
Não é só uma questão interna. O problema, dentre tantos outros que o Egito possui, é externo. Não é de hoje que o Estado norte-americano tenta impor sua vontade sobre o Egito. Penso, inclusive, que a ideia de lançar o Conselho Militar egípcio ao comando do país não passou de um plano criado por Estados Unidos. Uma bela alternativa para o problema da revolução. O comandante-chefe das forças armadas, Hussein Tantaoui, e atual Presidente do Conselho Supremo Militar, foi, além de protegido de Mubarak, ministro da defesa de 1991 a 2011.
O povo egípcio acreditou que ao assumir o poder, o Conselho Militar lhes atenderiam as reivindicações feitas. De todas as reivindicações, tem-se apenas a renúncia de Mubarak. Nem o fim do estado de emergência, tão reivindicado, foi conseguido. No início suspenderam, depois com uma justificativa esfarrapada de manter a segurança e a ordem, retomaram.
Apesar de tudo, o “sistema” egípcio ainda não entendeu que o povo mudou. Eles podem até se segurarem no poder, mas não por muito tempo. A praça tahrir está ocupada novamente. Embora a iniciativa de voltar às ruas e aos protestos tenha partido dos grupos islâmicos descontentes com as novas regras para a candidatura eleitoral, outros grupos aderiram ao chamado. As reivindicações são praticamente as mesmas de antes, fim do sistema, do estado de emergência, mas principalmente que o Conselho Militar passe o poder para os civis.
E como tudo está como antes [ou quem sabe pior] a resposta do governo não foi diferente. A polícia egípcia, agora com apoio dos militares, abriu fogo contra os manifestantes. Desde sexta-feira passada inúmeros confrontos têm sido visto por todo o Egito. Tudo me lembrou os protestos de janeiro e fevereiro, com direito a cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, tiros, espancamentos, inclusive com pessoas sendo puxadas pelos cabelos. Até agora 24 pessoas morreram e centenas estão feridas.
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Daniele El Seoudi.